As notícias falando sobre como os jogos de aposta online têm prejudicado pessoas, famílias e até mesmo a economia do nosso país tem aumentado a cada dia, de que o número de pessoas que escolhem gastar o seu dinheiro com apostas do que com alimentos também tem aumentado consideravelmente.
O número de jovens e pessoas que passam um tempo considerável presos a telas e a jogos, mesmo não envolvendo apostas também tem aumentado muito, levando a muitos problemas, tanto sociais quanto de ordem física e psicológica.
Por esse motivo decidi escrever a respeito disso, para trazer mais conhecimento a respeito disso sob a luz da psicologia, visto que tenho recebido pedidos e tem sido pauta de alguns atendimentos.
O que é?
Como qualquer transtorno de dependência, o comportamento do jogo deve ser problemático, persistente e recorrente, causar uma desorientação ou desconforto clinicamente significativo, ou seja, a pessoa passa horas jogando, perde a noção de tempo, precisa jogar para não se sentir mal e perde interesse em outras coisas.
Para poder se considerar um transtorno é necessário preencher 4 de 9 critérios, tendo esses sintomas por 12 meses ou mais, porém quando falamos em questão de jogos de azar os prejuízos costumam ser muito agudos, se agravando em menos tempo, o que eu acredito ser de grande importância procurar ajuda mesmo se houverem sintomas antes de 12 meses.
Os critério em si são:
- Necessidade de apostar quantias de dinheiro cada vez maiores a fim de atingir a excitação desejada.
- Inquietude ou irritabilidade quanto tenta reduzir ou interromper o hábito de jogar.
- Fez esforços repetidos e malsucedidos no sentido de controlar, reduzir ou interromper o hábito de jogar.
- Preocupação frequente com o jogo (p.ex, apresenta pensamentos persistentes sobre experiências de jogo passadas, avalia possibilidades ou planeja a próxima quantia a ser apostada, pensa em modos de obter dinheiro para jogar).
- Frequentemente joga quando se sente angustiado (p.ex, sentimentos de impotência, culpa, ansiedade, depressão).
- Após perder dinheiro no jogo, frequentemente volta outro dia para ficar quite (“recuperar o prejuízo”).
- Mente para esconder a extensão de seu envolvimento com o jogo.
- Prejudicou ou perdeu um relacionamento significativo, o emprego ou uma oportunidade educacional ou profissional em razão do jogo.
- Depende de outras pessoas para obter dinheiro a fim de saldar situações financeiras desesperadores causadas pelo jogo.
Levando em consideração é de que esses comportamentos precisam não serem gerados por um episódio de mania, pois isso entra dentro de outro transtorno mental, a bipolaridade.
Outro ponto importante é de que a maioria das pessoas que procuram tratamento para este transtorno o buscam quando o transtorno já está em nível de moderado a grave, muito raro quando se encontra no início, quando isso acontece, geralmente a pessoa é trazida por familiares.
A mentira se torna um habito muito comum quando a pessoa está tendo o comportamento patológico do jogo, como costuma apostar quantidades de dinheiro cada vez mais altas e perde com frequência acaba fazendo muitas dívidas, apelando para empréstimos bancários, e quando isso já não é mais possível podem se envolver com comportamentos ilícitos como falsificação, fraude, roubo ou estelionato para conseguir continuar jogando. Muitas vezes acaba envolvendo os familiares nesses problemas, pois está em uma situação desesperadora por conta de não ter o dinheiro para jogar.
Algumas características que são associadas ao transtorno são pensamentos distorcidos, ou seja, a pessoa nega que tem um problema, tem superstições relacionadas ao jogo, sente que tem poder e controle sobre os resultados, como por exemplo, achar que em algum horário do dia se usar um macete dado por algum influencer irá ganhar muito dinheiro, excesso de confiança também é uma das características.
Pessoas que apresentam esse transtorno são impulsivas, competitivas, inquietas e se entediam com facilidade, se preocupam muito com o que os outros pensam deles, e são extremamente generosas com os outros quando ganham, por exemplo, pagam uma festa para todos ou dão muitos presentes.
Este transtorno tem uma taxa de prevalência maior para os homens, de 0,6% em relação as mulheres de 0,2%. Não existe uma fase da vida específica para o início do transtorno, sabemos de que se desenvolve ao logo dos anos em que a pessoa tem contato com isso, mas tende a acontecer de forma mais rápida em mulheres do que com os homens, cada pessoa vai jogar de acordo com sua condição financeira, ou seja quanto mais se tem mais se aposta.
Cada episódio pode acontecer de forma regular ou a cada certo período de tempo, dependendo do que acontece na vida desta pessoa, se há período de depressão ou uso de substâncias, bem como dificuldades em geral, as remissões do transtorno tendem a serem duradouras o que faz com que as pessoas pensem que não tem mais o problema, o que geralmente as levam para recaídas.
Quando há o desenvolvimento do transtorno quando se é jovem a chance de haver dependência de substâncias na fase adulta é maior, mas tem mais chances de apresentar melhora conforme o tempo, se têm o tratamento adequado, quando não há existe chances de o transtorno voltar a aparecer na fase adulta.
O transtorno do jogo pode ter comorbidade com outros transtornos mentias, como por exemplo o transtorno por uso de substância, transtorno depressivo, ansiedade e transtornos de personalidade, mas o transtorno de jogos pode ser o início para os outros, como por exemplo a ansiedade e o de uso de substâncias, devido ao ambiente hostil desses jogos e a busca por dopamina.
Motivações para o comportamento:
O que faz uma pessoa a buscar por jogos ou jogos de aposta? Essa é uma pergunta que muitas pessoas fazem ao se deparar com as notícias que vemos nos últimos tempos, onde vemos pessoas que tiveram suas vidas destruídas por conta deste transtorno.
Gosto sempre de frisar a famosa frase “onde há um exagero, sempre há uma falta”, ou seja, quem desenvolve o transtorno do jogo está buscando satisfazer uma falta, uma carência.
Quando falamos a respeito dos jogos de aposta online que surgiram a pouco tempo e tomaram muito espaço promete dinheiro rápido e fácil, atraindo pessoas que estão desesperadas por dinheiro, ou que querem fazer um extra, quando a pessoa tem o primeiro contato, é comum que essa pessoa ganhe mesmo algum dinheiro, pois o objetivo do site ou aplicativo é fazer com que a pessoa queira ganhar mais, é um condicionamento básico, eu dou o reforço, a recompensa e isso faz com que a pessoa se sinta feliz e jogue novamente. Acontece que aos poucos o algoritmo vai fazendo você perder mais do que ganha, fazendo ganhar uma quantidade mínima para te manter preso, aí o estrago está feito.
Já em outros jogos que tem como público alvo os mais jovens, ou que não tem o objetivo de aposta em si, os jogos funcionam como um escape para as frustrações do dia a dia, onde é possível viver em um ambiente totalmente novo e diferente do que é na realidade, onde podemos escolher a nossa aparência, roupas (skins), armamento, dependendo do jogo. Outra motivação é de que nesses jogos eu posso me tornar poderoso, ser reconhecido por outros jogadores e ter controle de tudo, muitas vezes sendo o completo oposto da vida real desta pessoa.
Sempre há uma meta a ser atingida, e quando se atinge tal meta, há uma gratificação, mesmo que não seja verdadeira faz com que sejam liberados hormônios de bem estar, é uma receita muito vantajosa, o que certamente não acontece em todos os momentos de nossas vidas.
Quando falamos de cassinos, mesmo que seja em um ambiente online há muitas cores e sons chamativos, o que prende a atenção da pessoa, nos cassinos presenciais existe um ambiente sem janelas, com garçons que trazem sua bebida e comida até você, há pessoas que ficam felizes quando você entra e para sair do local há outras milhares opções de jogos, justamente para que você perca o controle de tempo e do que é importante para você.
Prejuízos
Como dito mais acima neste artigo, para ser considerado um transtorno é necessário haver prejuízos, sociais, econômicos e de saúde física e mental.
Os prejuízos ligados ao transtorno do jogo são inúmeros, pois como tendem a apostar ou gastar cada vez mais dinheiro dentro do jogo, muitas vezes deixam de comprar produtos essenciais para o seu bem estar para apostar, como por exemplo, alimentos e produtos de higiene.
Quando as dívidas começam a aumentar começam a fazer empréstimos com amigos, família e banco, aumentando ainda mais suas dívidas, começam a mentir a fim de conseguir mais dinheiro, podendo se envolver com agiotas, cometendo fraudes, furtos e roubos quando o transtorno começa a ficar mais grave.
Perdem amizades e relacionamentos por conta das mentiras e comportamentos de risco, podem associar o transtorno de jogo com bebidas, cigarro e drogas ilícitas a fim de aplacar frustrações ou por conta das perdas e do ambiente.
O vício se autoalimenta, pois o paciente joga para se sentir melhor em relação as perdas e condição financeira, joga, perde e joga novamente, quando ganha acaba por jogar novamente ou usar o dinheiro para ajudar alguém, para presentear familiares se mantendo nesse ciclo.
Dependendo da gravidade do caso, pode levar a desenvolver ansiedade e depressão, o que estamos vendo cada vez mais, as notícias de que alguém tirou a sua vida pois estava desesperado por conta da falta de dinheiro ou por ter se envolvido com pessoas criminosas são cada vez mais frequentes.
Tratamento
O tratamento se dá através de psicoterapia, sendo a cognitivo comportamental a mais indicada para o caso e o tratamento medicamentoso.
Na psicoterapia é trabalhado a psicoeducação acerca do transtorno, reconhecimento do nível de gravidade e de padrões dos episódios de jogo compulsivo, onde se reconhecem as emoções e situações que o levam a jogar, conhecendo formas de evitar recaídas e o que fazer caso aconteça algum novo episódio, com o objetivo de diminuir a frequência e até mesmo extinguir esse comportamento dependendo do perfil do paciente.
Existem grupos de apoio para pessoas que sofrem do transtorno, como os jogadores anônimos, onde encontram apoio e uma filosofia que os ajudam a se manter abstinentes.
Já o tratamento medicamentoso pode ser feito através de estabilizadores de humor, antidepressivos e ansiolíticos, bem como outras medicações utilizadas para tratamento de abuso de substâncias como por exemplo a naltrexona.
O apoio familiar é sempre uma peça chave na recuperação destes pacientes, bem como retornar ao convívio social, tendo hábitos saudáveis de alimentação, exercício físico e sono, pois são os pilares para uma saúde mental.
Deixe uma resposta